Celebração de Corpus Christi reúne comunidade católica de São Cristóvão para confecção de tapetes tradicionais, missa e procissão
Unida pela fé e pela tradição, a comunidade católica sancristovense ocupou as ruas do Centro Histórico de São Cristóvão para montar os tradicionais tapetes de Corpus Christi na última quinta-feira (30). A confecção dos tapetes, que aconteceu de 6h às 13h, foi prosseguida pela realização da missa e procissão, que reuniu fiéis para acompanhar a simbólica passagem de Jesus pelos caminhos desenhados pela cidade.
Com a cobertura de nove ruas e mais de 1000 metros de extensão, os tapetes foram confeccionados com o uso de materiais como maravalha, sal grosso, pó de serra, cascos de sururu e massunim, anilinas e pó xadrez. Pela primeira vez, tapetes artesanais feitos com tecidos e bordados pelas artesãs do município também compuseram a extensão das obras feitas pela população.
Neste ano, outra novidade é a sanção da Lei Nº 688/2024, pelo prefeito Marcos Santana, que declara feriado no âmbito do Município de São Cristóvão o Dia de Corpus Christi, quando antes era apenas considerado ponto facultativo. A Procissão de Corpus Christi, tradicional na cidade, já havia sido nomeada desde o ano anterior como Bem de Interesse Cultural de Sergipe, a partir da aprovação do Projeto de Lei de autoria do deputado estadual Paulo Júnior pela Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe (Alese).
Uma construção coletiva
A solenidade de Corpus Christi acontece 60 dias após a Páscoa e celebra o sacramento do corpo e sangue de Jesus Cristo. Para a realização dos ritos que marcam a data, instituições e moradores da Cidade Mãe se unem em uma construção coletiva, motivada pela fé e pela cultura do município.
Com o intuito de preservar a tradição centenária da criação dos tapetes para a passagem da imagem do Santíssimo, adorado pelos fiéis durante a procissão, a Fundação Municipal de Cultura e Turismo João Bebe Água (Fumctur) colaborou com a equipe organizadora do evento, a igreja e os voluntários.
Diego Souza, coordenador de Turismo da Fumctur, destaca que a fundação participou também com o auxílio de materiais, como a compra do sal e da maravalha, e das tintas, juntamente com a parceria da empresa Colortex, que contribuiu com a manutenção das pinturas.
“Desde o início da gestão, todo ano a Fumctur prestigia e apoia esse evento, que é muito bonito. Não só cultural e turisticamente, como no âmbito religioso. É muito importante para a prefeitura apoiar eventos como esse porque garante que se preserve a confecção de tapetes e também faz com que o turismo seja atraído, fazendo com que o comércio local também se beneficie com os tapetes”, ressalta o coordenador.
Diego Souza, coordenador de Turismo da Fumctur
Há 15 anos, Vânia Correia coordena a confecção dos tapetes de Corpus Christi em São Cristóvão. Para ela, a atividade, que exige muito trabalho e dedicação, seria ainda mais difícil sem a ajuda das escolas municipais, da Universidade Federal de Sergipe, da prefeitura, dos apoiadores e parceiros, que asseguram a estrutura, o transporte, os suprimentos e parte da mão de obra.
“Este ano, conseguimos doações de maravalha e tintas. Nós tínhamos comprado tintas que vinham de Porto Alegre-RS, e, por conta da situação precária causada pelas chuvas, o material não chegou. Hoje, cerca de 500 pessoas estão nas ruas. As nove ruas estão todas cheias”, conta Vânia.
Vânia Correia, coordenadora da confecção dos tapetes na cidade
Representando a Paróquia Nossa Senhora da Vitória, que reza a missa característica do evento, Frei Pedro reforça que a celebração de Corpus Christi é muito importante para a Igreja Católica, quando os fiéis manifestam sua adoração ao Jesus Eucarístico. “A cidade se prepara para que ele passe pelas ruas de nossa cidade, para abençoar a nós e nossa família. Os tapetes têm a importância de justamente enfeitar a cidade para que Jesus passe por essas ruas”, realça o frei.
Frei Pedro, representante da Paróquia Nossa Senhora da Vitória. Foto: Ascom da Paróquia.
Para o prefeito Marcos Santana, a participação na confecção dos tapetes de Corpus Christi vai além do apoio administrativo, é um chamado do cidadão, que sempre construiu junto à comunidade sancristovense: “É um momento de muita emoção, porque vamos construindo as partes do tapete sem a certeza do que vai sair, mas depois percebemos que fica como um conjunto, está tudo bem concatenado, seguindo uma sinergia natural, ou sobrenatural” .
Marcos Santana, prefeito de São Cristóvão
População envolvida na criação dos tapetes
Para concluir toda a extensão de tapetes, é necessário o trabalho de muitas mãos. Por isso, voluntários, religiosos e turmas do Ensino Fundamental ao Ensino Superior atuam juntos para a conclusão da tarefa essencial para a continuação dos ritos tradicionais.
O curso de Design Gráfico da UFS colaborou com estudantes que ministraram oficinas para os desenhos dos tapetes e, no dia do evento, contribuíram para a confecção. Os alunos e servidores da EMEF Gina Franco participaram das oficinas e fizeram bonito na criação das figuras representativas que deram vida ao chão das ruas. A professora de Ciências da escola, Chislene de Oliveira, acompanhou uma turma de 25 adolescentes e reforça a importância do resgate ao sentimento de pertencimento dos alunos com a cidade.
“Eles pertencerem a essa cultura, essa tradição da cidade deles, é fundamental para isso não se perder ao longo dos anos. Nós estamos aqui com uma quantidade grande de alunos este ano. E tivemos um curso preparatório para fazer a construção desses tapetes da melhor forma e, com as técnicas que foram passadas, podemos agilizar o trabalho. Como resultado, temos essa construção bonita e a participação ativa dos alunos e professores”, afirma.
Chislene de Oliveira, professora de Ciências da EMEF Gina Franco
O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Valter Correia também marcou presença na montagem dos tapetes. O representante dos usuários, João Santana, colabora com a construção da celebração de Corpus Christi há 30 anos e não hesita em colocar a mão na massa para se conectar com a sua religião: “Eu faço esse tapete com todo amor, respeito e dedicação a Jesus Cristo vivo, que vai passar o mês da nossa cidade abençoando nossas casas, nossas famílias. Já construí aqui com o sol, com chuva, estou aqui fazendo sempre”.
João Santana, representante dos usuários do CAPS Valter Correia
Gerente do CAPS, Edjane Mendes organizou a ida dos pacientes junto a equipe como uma ação extra-muro, com o objetivo de incluir os moradores com transtornos mentais nas atividades socioculturais da cidade. “Trouxemos vinte usuários, junto aos funcionários, para fazer esse trabalho, para eles terem esse sentimento de pertencimento, autonomia e tratamento de liberdade, que é o que lutamos aqui em São Cristóvão”, explica a gerente.
Edjane Mendes, gerente do CAPS Valter Correia
Não era preciso estar ligado a alguma instituição para integrar o trabalho artístico e religioso. Carlos Castro, morador da cidade, se voluntariou na decoração dos tapetes, criando desenhos a mão livre que se destacaram em frente à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória. “Eu estaria em casa sem fazer nada no feriado. Por que não dar uma colaboração? Quando morava no Bugio, eu era membro da igreja. Hoje eu faço parte de São Cristóvão, então faço questão de participar”, afirma o voluntário.
Joelmo dos Santos, Leo Meireles e Carlos Castro, voluntários na confecção dos tapetes
Tapetes de tecido: Agilidade e sustentabilidade
Pela primeira vez, parte da tapeçaria confeccionada para Corpus Christi foi feita com tecidos, enfeitados por fuxicos e crochês e costurados pelas artesãs sancristovenses da Casa de Costura Dona Zil e Sala dos Saberes e Fazeres. As obras levaram cerca de um mês para ficarem prontas e foram elaboradas com o objetivo de serem reutilizadas nos próximos anos, de forma a reduzir os resíduos descartados dos tapetes e reaproveitar partes de tecidos que não teriam outra utilidade.
Sandra Santana, primeira-dama de São Cristóvão e representante da Casa de Costura Dona Zil, reforça que os desgastes ambientais do planeta são alertas para pensar em formas de agir ecologicamente: “Iniciamos a tendência desses tapetes neste ano, com a ideia de reciclar e reutilizar mais. Nós temos esses tecidos pequenos que geralmente são descartados, então passamos a guardar os cortes que sobram e resolvemos usá-los, como uma forma de contribuição para nosso planeta”.
Sandra Santana, primeira-dama, colocando os tapetes nas ruas de São Cristóvão
Coordenadora da Sala dos Saberes e Fazeres, Cláudia Oliveira enfatiza que baratear o custeio dos tapetes também é um dos intuitos desta nova forma de confecção. “Se todo mundo se juntasse e fizesse um pouquinho, daria para fazer o tapete todo de tecido e gastaria bem menos. E, assim, poderíamos colocar os tapetes nas ruas mais perto da hora da produção. No próximo ano, vamos estar ainda melhor”, torce.
A artesã Maria Núbia costurou os tecidos para serem postos nas ruas e, para ela, foi um grande sonho, principalmente a imagem de Santa Dulce. “O trabalho dela aqui na cidade foi maravilhoso. Nós fizemos com a maior alegria. Foi uma coisa que fizemos juntos com o maior carinho, ali tem a mão de todas as artesãs da casa e tem pinturas de artistas plásticos”, explica.
Maria Núbia, artesã
Fomento do turismo
A prefeitura de São Cristóvão entende a celebração de Corpus Christi como um momento fundamental para possibilitar o acesso a novos visitantes e turistas para a cidade, o que movimenta o comércio, incentiva o crescimento de recursos financeiros, e evidencia a construção coletiva que remete ao sagrado, mas resulta diretamente no desenvolvimento socioeconômico do município.
Um exemplo dessa realidade é a presença da visitante Lize Costa, que, pela sexta vez, vem de Salvador-BA para São Cristóvão para presenciar os eventos que marcam a data. “Eu me emociono muito com essas coisas. É lindo ver como, mesmo na chuva, o pessoal está aqui fazendo esse trabalho lindo. Fico encantada e, sempre que tenho a oportunidade, venho”, conta.
Lize Costa, turista
Já Shirley Rocha, moradora de Aracaju, levou a família inteira para presenciar a celebração, que tanto a tocou da primeira vez que a conheceu: “Eu vim no ano passado e fiquei encantada com a construção coletiva, com o tamanho do tapete, com a demonstração de coletividade e de fé. Neste ano, eu trouxe minhas filhas, meu irmão, meu pai, todo mundo, para que a gente pudesse também partilhar esse momento tão fraterno e profundo de construção de identidade e do sentimento de pertencimento à cidade, o que é bem bacana”.
Família Rocha reunida
Fotos: Dani Santos e Clara Dias
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